Esperanza

Raça: Outra / Não definida D. Nascimento: 2002-11-11

Uma gata felpuda, tigrada, magricela. Olhos grandes, ar delicado, meiga, assustadiça, magra. Foi assim que a conheci, através duma foto enviada pela Fátima. A gatinha tinha sido abandonada, e por um acaso, a Fátima que nem era para ir àquele sítio passou lá e ouviu a Espy chamar. Acho que consigo imaginar o som que a Fátima ouviu, porque a Espy não mia, a Espy faz "MI" ou "PÍ", tanto que agora digo que é a minha Pyzinha, e quando chamo por ela digo:"Pi, onde estás?" e lá recebo de volta um "Mi", ou um "Piiiii".

A Espy não era para ser minha, ou se calhar até era... A Fátima procurava um dono para ela, e eu ainda lambia as minhas feridas depois da morte da Titcha um ano antes. Às vezes, quando estou mais aluada é esse nome que lhe chamo, e depois caio em mim, que não é ela que ali está, é a Espy. Era escusado esperar que as feridas sarassem, porque ainda hoje continuam abertas, mas eu achava que devia esperar que a dor e a saudade passassem antes de ter mais algum gato.

Comecei a ajudar a Fátima a procurar-lhe um dono. Enviei anúncios da Espy para vários amigos, falei com várias pessoas, todos resistiram à tentação da pequena gatinha peluda. Uns porque não queriam, outros porque não podiam, outros porque não era a altura oportuna.
A Fátima também continuava a procurar o dono certo. Tinha medo de a dar sem ser esterilizada, porque uma gata de pêlo comprido podia ser usada para fazer dinheiro; filhotes de pêlo comprido renderiam bastante a alguém com más intenções. Imaginei a Espy a ter duas ninhadas por ano e a dada altura decidi-me.

No mês de Março de 2003, uma revista falava do lince ibérico. No artigo havia uma foto duma fêmea residente no parque Doñana em Espanha. Essa fêmea de línce, era considerada uma esperança para a raça, pois tinha sido criada em cativeiro. O nome dela era Esperanza. Foi aí que fui buscar o nome da gatinha. Também eu tinha Esperança que ela viesse mitigar o nó do meu estomâgo e as lágrimas que me corriam pela cara antes de adormecer quando pensava na Titcha.

Abril vinha a caminho, e com ele o meu aniversário. Considerei-a uma prenda de mim para mim. Sempre achei que as melhores prendas, além das inesperadas, são as que ofereço a mim mesma, porque são exactamente aquilo que quero. E assim veio a Esperanza Maria von Espy, de comboio, do Porto para Lisboa. Esperanza, pelo línce ibérico em extinção, Maria, pelo nome que existe na minha familia há 3 gerações e cujas primeiras letras fazem "Mar", aquilo que mais gosto depois dos gatos, e von Espy porque havia um barão von Espy num filme engraçado que vi, e porque um gato deve ter sempre 3 nomes... Se viram o "Cats" sabem o que quero dizer.

A Espy dorme invariávelmente à cabeceira da cama, ao lado da minha almofada, ou em cima dela, o mais próximo possível de mim. Foi assim desde o primeiro dia. Aconchega-se, deita-se ao meu lado, e põe as patinhas nas minhas mãos, como se me confiasse a vida. Imaginem um travesseiro, duas cabeças deitadas, eu virada para ela, ela virada para mim e as patinhas nas minhas mãos. Adormeci assim vezes incontáveis. Ela é duma doçura, duma ternura incomparável. Muito delicada, muito frágil.

A comida que a Pyzinha mais gosta é pescada cozida. Esquece completamente o manual de boas maneiras da tia Bobone, e põe a garganta em funcionamento "non stop" no volume mais alto. Também mia alto e agudo quando está aflita, já aconteceu no veterinário, e a médica até perguntou se ela era surda. A Espy odeia veterinário - assim que pressente uma ida, desaparece - e odeia a rua. Fica apavorada. Caiu uma vez da janela da cozinha e miava - o tal miado agudo - desesperada. Os vizinhos até vieram ver o que se passava e o Paulo teve de sair pela janela para a ir buscar. Se ele fosse dar a volta ao prédio, com o tempo que demorava, ela já tinha tido uma apoplexia nervosa. Uma coisa que ela adora é ser escovada, até pede para a escovar mais, não se cansa. E adora deitar-se no chão e mostrar a barriguinha que é muito fofa. Às vezes também pede colo, e assim que lhe pego faz ronron. Houve uma altura de manhã em que eu tinha de ir abrir as janelas sempre com ela ao colo, senão ela usava o "Pí" chantagista até eu ceder.

A Esperanza é a minha estrela, a minha luzinha. Mostrou-me que é possível amar de todo o coração, mesmo quando ele já foi ferido e maltratado algumas vezes.