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== ANIMAIS ==
 
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Animais » A. Von Träume ( A. C. )

Lady Erika of Eyriceira

Raça: Europeu Comum
D. Nascimento: 2003-12-15
D. Óbito: 2012-08-08

'Of all God's creatures there is only one that cannot be made the slave of the lash. That one is the cat. If man could be crossed with a cat it would improve man, but it would deteriorate the cat.'

- Mark Twain (1835-1910)




SOBRE A ERIKA E O CAMINHO MAIS DIFÍCIL


Este texto é sobre e para a Erika. Para quase todos os que me lêem, a Erika será simplesmente um felídeo do sexo feminino que nasceu anonimamente algures entre o ano de 2003 e 2004 num pinhal da Ericeira, e encontrou o seu fim terreno cerca de oito anos depois, a 8 de Agosto de 2012, a umas centenas de quilómetros a norte do local de nascimento.
Contudo, para mim, e ainda que não humana, a Erika é um membro da minha família. Foi amada e respeitada como tal, e nos nossos corações continuará sempre a sê-lo. Acompanhou-nos durante todos estes anos, nos bons e nos maus momentos, fez parte da nossa vida, partilhou os nossos espaços físicos e emocionais. A sua presença passou até a constituir um fio condutor que permite mapear o nosso percurso pessoal.
Aquelas pessoas que não têm genuíno amor aos animais e que não reconhecem a cada animal uma individualidade distinta e sua inerente dignidade podem parar de ler por aqui. Acreditem em mim, este texto não é para vocês.
Este texto é só para quem ama, e quem ama de verdade sabe que o amor não tem quaisquer limites ou fronteiras, e tão pouco é exclusivo da espécie humana. Este texto é para aqueles que compreendem o que quero dizer.
Portanto, gostaria que quem me lê soubesse que a Erika existiu neste mundo, e que, para mim, a sua passagem pelo mesmo não foi em vão. Para mim, a Erika não foi apenas mais um animal de estimação que fez parte da vida de uma família. Creio até que a existência da Erika poderá ser ponto de partida para uma reflexão mais profunda –e inter-espécies!
Resumindo, a Erika nasceu e cresceu num pinhal praticamente sem contacto com seres humanos até à idade adulta. Não poderemos chamar-lhe um animal selvagem, chamemos-lhe um animal assilvestrado. Em fins de 2005, e na sequência do trabalho notável do Grupo de Voluntários de Cascais em prol do bem-estar dos felinos da zona em causa, a Erika foi recolhida por essa instituição para ser esterilizada. Após esse procedimento, e dadas as suas características de animal não doméstico, foi tomada a decisão de colocá-la novamente no seu meio natural. No entanto, face aos actos de crueldade que andavam a ser praticados nessa ocasião contra gatos dessa colónia (nomeadamente treino de cães de luta), os responsáveis do GV resolveram deixar a Erika mais tempo na instituição, e tentar até a sua adopção através da Internet.
Mas, quem iria querer adoptar uma gata que passava o tempo escondida num qualquer local recôndito e escuro, que mal se via, e muito menos se deixava tocar ? Tal como muitos outros animais em circunstâncias semelhantes, após algum tempo a Erika foi considerada um caso perdido e praticamente não houve interessados em adoptá-la.
Foi precisamente isso que li no anúncio dedicado à Erika, em inícios de 2006. Na fotografia de uma Erika “com cara de poucos amigos” que acompanhava o anúncio, via-se simplesmente uns olhos que espreitavam desconfiados do fundo de um brinquedo-toca em forma de caixote que a protegia dos famigerados humanos que a tinham retirado a tudo o que lhe tinha sido familiar até então.
Foi desta forma que a Erika entrou na minha vida. Como sempre gostei de um bom desafio, resolvi dar à Erika uma oportunidade de saber que viver com humanos pode não ser tão mau ou assustador assim na perspectiva de um gato que nunca tal experienciou. Naquele momento, estava plenamente consciente de que a Erika não seria uma gata meiga e ronronante que iria saltar para o meu colo nos primeiros minutos após a chegada ao novo lar. De facto, a Erika não era nada disso, e à chegada da sua longa viagem até à nova casa no norte de Portugal, rapidamente percebi que a minha experiência de anos a lidar com gatos não parecia ter grande aplicação no caso da Erika: ela comportava-se como um autêntico animal selvagem. Digamos que, durante mais de dois meses após a sua chegada, a Erika foi uma presença ausente ou vice-versa. Sabíamos que a Erika estava em casa, mas não a víamos. Sem exagero algum, durante dois meses, a Erika viveu no escuro, debaixo da cama. Todas as manhãs, por vermos as areias usadas e a comida que tinha desaparecido, percebíamos que ela esperava que estivéssemos a dormir profundamente para satisfazer essas necessidades. Depois de várias semanas assim, comecei a preocupar-me com o estado de saúde dela – certamente que não seria muito benéfico para um animal viver encolhido num canto escuro, e sem qualquer actividade física. Resolvi tentar retirá-la do seu esconderijo. Provavelmente mais assustada do que outra coisa, a Erika nessa ocasião reagiu agressivamente e feriu-me numa mão.
Naquele momento, confesso que fiquei com dúvidas. Estava triste e magoada. De facto, aquele processo não estava a ser nada fácil. Depois de ter decidido ajudar aquele “caso perdido”, de ter dedicado o meu tempo e a minha boa vontade àquele animal, não parecia haver qualquer evolução positiva. As conversas telefónicas com elementos do GV já pareciam antecipar um eventual retorno da Erika ao sul e à sua condição confirmada de animal “impróprio” para convivência com humanos.
No entanto, detesto desistir. Detesto desistir de algo, de alguém. Acredito que, quase sempre, pode haver outro lado, outra hipótese, outra história. Foi isso que pensei em relação à Erika, e, não obstante toda a minha experiência com animais, compreendi que talvez tivesse de repensar a minha atitude. O meu erro, pensei então, era permanecer na expectativa de que a Erika correspondesse àquilo que eu esperava dela: que ela fosse mais sociável, que se deixasse ver e tocar, que andasse à minha volta pela casa como outros animais que tive/tenho. Então, e porque não ser eu a respeitar o medo profundo que ela tinha aos seres humanos, porque não compreender que ela levaria o tempo que achasse necessário para ganhar confiança ? Esse tempo era o tempo dela, o tempo da sua cabecinha felina, e não o meu tempo humano, medido na frustração de dias e semanas que continuavam a passar sem progressos aparentes. Para além do comportamento que descrevi, como a Erika parecia não ter qualquer problema de saúde e continuava a alimentar-se, resolvi deixá-la viver como ela se sentia melhor, sem forçá-la a nada. E foi assim que, com todo o espaço e liberdade, a Erika começou a desabrochar. Pouco a pouco, começou a sair do local habitual e a encolher-se, já curiosa, em cantos mais próximos de nós. Observava-nos com toda a atenção e até algum espanto, parecia-me. Um dia, acontece o milagre: perante os meus olhos surge a Erika, com o porte calmo e majestoso que só ela tinha, sentada na sala, sob o sol da manhã, de olhos semicerrados, e como que a sorrir para nós.
Bem, aqui começa a parte mais fácil da história, por assim dizer, mas é sobre a parte mais difícil que acima descrevi que queria fazer incidir a minha reflexão. A vida da Erika leva-me a pensar nas escolhas que nós, humanos, frequentemente fazemos. Quantas vezes não escolhemos o caminho mais imediato, desistindo daquilo que não aparenta ser atractivo ou fácil (quer se trate de animais, pessoas ou variadas situações) ? Quantas vezes não rejeitamos automaticamente aquilo que não nos surge como mais óbvio ou conveniente ? Quantas vezes o nosso pensamento não se fecha a alternativas, e quantas oportunidades incríveis não perdemos com essa atitude, quantas alegrias não deitamos pela janela fora ? Porque não repensar as nossas atitudes ? Porque não, em tudo na vida, rejeitar imediatamente apenas os rótulos em si de “caso perdido” e não aquilo que teimamos em rotular dessa forma ? Ou, pelo menos, confirmar que algo não é possível apenas após explorar o âmago da questão. Sem dúvida, podemos determinar o curso da nossa vida mais do que aquilo que pensamos se descartarmos estereótipos e reacções automáticas. Em suma, se querer é poder, apenas podemos aquilo que resolvemos querer.
No caso da Erika, escolhi o caminho mais difícil, e embora tenha custado tempo e paciência e alguns dissabores, foi a melhor coisa que podia ter feito. Se tivesse devolvido a Erika ao GV, ela provavelmente teria vivido durante alguns anos, bem tratada, é certo, mas assustada e não inteiramente feliz, junto de dezenas de outros gatos que não tiveram a oportunidade que ela teve. Ou poderia até ter sido colocada no pinhal de origem e partido deste mundo algum tempo depois com alguma doença ou devido a um ataque de cães. Se eu tivesse escolhido a via mais fácil, eu, a minha família e amigos, e os nossos outros animais, não teríamos tido os anos de felicidade que tivemos com a Erika, anos plenos de todos esses momentos inesquecíveis que ela partilhou connosco. Para nós e para a Erika, foram anos recheados de brincadeiras, episódios desconcertantes, algumas viagens, natais em família, muito trabalho, novos começos e desafios. Claro que tudo isso são apenas palavras para o leitor. Para mim, contudo, cada palavra é uma miríade infinita de memórias muito queridas.
Não julgo necessário maçar quem me lê com descrições emotivas desses momentos. Resta-me dizer que a Erika, e ao contrário de todas as previsões, estereótipos e expectativas, assim que eliminou o medo da sua vida, tornou-se no animal mais meigo, doce, afectuoso e comunicativo que já vi – muito mais até do que outros animais que tive e tenho e que sempre foram domésticos. A sua personalidade era previsível e estável (por exemplo, se tivesse de escolher um animal para interagir com uma criança pequena seria a Erika, precisamente por isso). Para além disso, por ser como era, e ainda que sendo gata e eu humana, a Erika ensinou-me algo mais. A Erika ensinou-me que a modéstia e a gentileza, a humildade e a suavidade são o verdadeiro poder e a força. Um poder que se manifesta no silêncio de ouvir mais os outros e menos a si mesmo. Ensinou-me que a felicidade é feita de pequenos momentos, fugazes mas bem vivos (como na imagem que guardo dela, com o seu quase sorriso ao absorver, deliciada, sentada e imóvel, cada instante de algum trecho de música clássica que tanto demonstrava apreciar). Ensinou-me que há sempre um outro caminho possível, ainda que menos trilhado. Ensinou-me que o medo e a dor não têm de provocar danos irreparáveis. Ensinou-me que o optimismo altruísta pode sarar muitas feridas. Ensinou-me que é na paz e não no conflito que o verdadeiro entendimento brota. Ensinou-me que a beleza e a nobreza de um ser residem em tudo isso. É que a Erika era uma gata, mas era mesmo assim.
A melhor prova do enorme legado que nos deixou é a falta que nos faz, o vazio que deixou na nossa vida, na nossa casa, na nossa família. Contudo, e como já disse, sei que a sua passagem por este mundo não foi em vão. Sem moralismos pedantes ou lugares-comuns, a Erika veio relembrar-nos que é quase certo que os maiores tesouros sejam encontrados nos locais mais inesperados, às vezes até calcados e rejeitados por todos na lama. A Erika sabia, tal como nós, que o caminho mais difícil é normalmente o mais feliz e frutuoso. Sabia que, se não ousarmos, nunca saberemos.
Quanto a mim, basta-me ter a certeza de que quem me leu até ao fim sabe que a Erika existiu e que foi, é, e continuará a ser muito amada. Estarás sempre connosco, querida “ferinha”…

Em memória da Erika
Ericeira, c. 2003/04 – Matosinhos, 8 Agosto 2012.


A.C.


» Scarlet ( Isabel C.) » [ Europe/Lisbon ] 2012/08/14 11:50
Já o disse na galeria, mas digo novamente aqui: lamento muito a partida da Erika. sad.gif Mas tenho a certeza de que foi feliz e imensamente respeitada e compreendida. wub.gif

» Scarlet ( Isabel C.) » [ Europe/Lisbon ] 2012/08/14 11:48
Gostei muito de ler este texto. heart.gif Também tenho uma "ferinha" anti-social vinda do GV. É a Esmeralda. Veio para cá em FAT (família de acolhimento temporário) porque estava muito infeliz no gatil. Isto foi o que escrevi sobre ela no fórum há 3 anos, quando estava cá há cerca de um mês: "Acho que a Cristina (do GV) tem toda a razão. Não só em relação ao número de animais não mudar grande coisa como em relação à confiança que ela possa vir a ganhar com as pessoas com a passagem do tempo. A verdade é que a Esmeraldinha, em 4 semanas cá em casa, não "progrediu" nada. Tal como não o fez no mês em que esteve na GV, com o carinho e atenção que teve por parte de todas as voluntárias.

Não que ela precise de progressos. Pelo menos, para mim, não precisa. E penso que está tranquila e feliz. Acontece que - não vou desistir já, claro, mas... - não me parece que seja adoptável por pessoas "normais", já que não é um animal muito dado nem interactivo. E acredito que nunca vai ser. O que até tem grandes vantagens, para quem já tem 6 melgas, como eu. É uma gatinha que gosta de estar no cantinho dela, que não se mete com ninguém e que não dá trabalho nenhum. Por isso, se aparecer um dono 5 estrelas que a queira e ame como ela é, fantástico. Senão, irá ficando por cá."

O dono 5 estrelas nunca apareceu. E a Esmeralda cá continua e, lentamente, progrediu. Este ano, pela primeira vez desde que veio (em 2009) brincou à fita sem se assustar. E todas as noites pede festas num cadeirão que ficou conhecido como "cadeirão da festas". biggrin.gif Continua a ser impossível tocar-lhe quando tem as 4 patas no chão (só em sítios altos, onde se sente protegida). Mas são grandes progressos! smile.gif

» anajorge ( Ana Antunes) » [ Europe/Lisbon ] 2006/03/28 10:56
Nice Lady heart.gif
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