Artigo retirado de:
http://www.felinus.org/index.php?area=artigo&action=show&id=774
Autor:
SilverNymph (Nídia dos Reis) [ Europe/Lisbon ] 2005/08/08 14:55

"Eu temo pela minha espécie quando penso que Deus é justo" - Parte II

Autor: Desconhecido
Os olhos revelam a alma

Na nossa cultura os animais não têm o mesmo tratamento, não são encarados da mesma forma. Há aqueles dos quais nos alimentamos e aqueles que fazem parte da família. Uns são vistos (erradamente) como produto e outros como amigos. Cães e gatos são vistos como amigos, desde há muito, na sociedade ocidental.

Vamos buscá-los pequeninos e frágeis e vemos inundados de ternura cada passinho desengonçado daquele bebé na nova casa, aprendemos a distinguir aquele miar ou aquele latir de todos os outros, sentamo-nos no sofá com eles ao colo a olhar para nós como se fossemos uma espécie de ídolo, rimos ao ver aquele olhar guloso quando abrimos um pacote de comer, damo-lhes nomes que gostamos e enchemo-nos de alegria quando vêm a correr ao chamarmos, tiramo-lhes fotos e mostramos a toda a gente cheios de orgulho, damo-lhes banho com champôs perfumados, compramos brinquedos engraçados, tigelinhas, coleirinhas, caminhas e tudo o que pudermos para serem felizes connosco. Tratamo-los quando estão doentes e encaminhamo-los na velhice. Eles retribuem com uma dedicação incomparável, com turrinhas ou aquele abanar de cauda inconfundíveis, dedicam-nos a vida com uma devoção que só um animal consegue, com total pureza, com o sentimento mais autêntico que se pode conhecer. Quando partem choramos a perda, fica o vazio que não pode ser preenchido e a casa parece árida e fria sem aquela presença alegre que nos fazia rir mesmo nos piores dias.

No entanto, nem sempre é assim. Às vezes, um cão ou um gato amam em vão, dedicam a vida a quem não merece, de forma alguma, o privilégio de ter a devoção de um ser tão genuíno.

Gostava de perceber porque certas pessoas vão buscar animais para as suas casas, comprometendo-se a tratá-los bem para depois falhar. Falhar redondamente, não por forças superiores a si próprios mas deliberadamente. Os motivos apresentados são muitos, dignos de uma imaginação um tanto ou quanto limitada, porque nenhum deles faz qualquer sentido para justificar o abandono. As férias que estão à porta é o mais corriqueiro dos argumentos, mas o motivo é pouco relevante porque nenhum, é de facto, um motivo, é apenas uma desculpa oca para lavarem as mãos de uma responsabilidade inerente a uma decisão tomada em consciência... ou, neste caso, sem consciência alguma, porque esta é uma faculdade das pessoas sãs.

São abandonados nas ruas. Ficam à deriva, não sabem o que se está a passar nem porque motivo aquela pessoa que tanto amam os está a deixar sozinhos, ao frio, desamparados, num lugar que não conhecem. Habituados ao conforto de uma casa e à companhia humana não sabem sobreviver num mundo completamente desconhecido e aterrador. Sofrem com as variações climatéricas, passam fome, são vítimas de maus tratos e a sua saúde vai-se degradando. Outras vezes, são abandonados nos canis e gatis, vendo-se no meio de imensos animais, nem sempre amistosos, têm alimento mas não têm afecto, não têm a mão amiga a afagá-los, não têm a sua caminha e o seu dono, sentem-se sós, sentem-se tristes. Há ainda os casos mais cruéis de animais que são lançados de carros em andamento ou depositados em caixotes de lixo mas isso já passa dos contornos do inqualificável abandono para actos potencialmente psicopáticos.

Como é possível fazer-se tanto mal a quem era suposto proteger e amar? Como é possível dormir de noite ao saber que existe um ser, que nos amou incondicionalmente, completamente perdido e sozinho?

Desenganem-se os que pensam que os animais não reconhecem o abandono. Eles sabem precisamente o que lhes fizeram e muitos entram em depressões profundas. A Maria, uma gata que foi deixada no gatil da União Zoofila, é disso um exemplo. A sua dona morreu e os familiares macularam a sua memória deixando a sua gatinha adorada num gatil. Não se preocuparam se esta ficava bem, se não ia sentir, ainda mais profundamente, a morte da pessoa que sempre a acompanhou. A Maria não ficou bem, recusou-se a comer, recusou-se a viver, recusou-se a ficar limitada às paredes do gatil, recusou-se a deixar a sua casa. A Maria escolheu morrer. Nada do que os voluntários tentaram resultou, nem os carinhos, nem os cuidados médicos. A Maria morreu.

Casos destes sucedem-se, não só com gatos mas também com cães e é a prova que eles sentem e sofrem, que lembram e percebem o que lhes foi negado, percebem que depositaram as suas vidas nas mãos de quem nunca lhes deu valor, de quem nunca se preocupou se sentiam, se choravam, se riam e se amavam.

E se realmente Deus é justo estas pessoas, possivelmente na sua velhice, irão sentir na pele o mesmo abandono, a mesma incredulidade, a mesma tristeza e a mesma desorientação que infligiram aos seus animais. Terão alguém, que era suposto amá-los, a deixá-los no pior sitio, no mais frio, no mais sujo, sozinhos... à sua sorte... a morrer.