Artigo retirado de:
http://www.felinus.org/index.php?area=artigo&action=show&id=54
Autor:
catw (Carla Mar) [ Europe/Lisbon ] 2003/10/03 19:17

A Saga do Desparasitante - 1ª Parte

Devia ter levado o Drontal comigo no sábado à vet e tinha-lhes dado nessa altura, quando que os gatos estão sempre tão assustados que deixam fazer tudo. Mas depois de ter dado antibióticos diariamente durante 2 semanas para curar supostas corizas, não pensava que me esperassem tempos difíceis com uma única toma de um comprimido.


Suspeitei que a coisa ia correr mal quando o Garfield, o mais famoso glutão dos nossos gatos, começou a torcer o nariz à latinha que abri e onde miguei o comprimido. Eu só via a pasta a desaparecer e os bocadinhos de comprimido a serem repetidamente cuspidos...


Seguiu-se uma tentativa com biscoitos de carne e queijo da Whiskas, a que cirurgicamente retirei o centro, substituindo-o por um quarto do comprimido, já meio desfeito e com restos de pasta da latinha. Cheirou, cheirou, lambeu, fez careta, cheirou outra vez e deu meia volta. Uhmmm, a coisa não estava fácil. E se lho der directamente? pensei eu... "anda cá, bichinho, abre a boca, anda". Garfield carrega nos travões e começa a fazer marcha atrás. Sente resistência, um braço envolve-o e impede-lhe a manobra, uma mão tenta desesperadamente abrir-lhe a boca e lançar-lhe o famigerado comprimido lá para dentro. "Nãããããão!!!"... O braço deixa de resistir à marcha atrás, mas ampara-lhe a queda do balcão da cozinha. Os olhos dourados e assustados parecem encher-se de lágrimas. Lê-se-lhes "Traição"... Contagia-se o drama à dona. "Pronto... tem calma!" Garfield lambe a boca e o peito, enquanto engole as lágrimas.


Pego num bocadinho de bacon que vai servir para cozinhar o jantar e tiro-lhe a gordura. Tento cravar o resto do comprimido, já a desfazer-se na minha mão, na carne rosada. Estendo a mão e os olhinhos voltam a brilhar, mas os passos ainda revelam uma certa desconfiança. Cheirou, cheirou, lambeu, outra vez a careta...


"Enrola num pedaço de bacon", sugere o Pedro em frente ao fogão a fazer o refogado... "Já tentei, não está a resultar", "Enrola num bocado maior... eu tento". Enrolado que está o comprimido num suculento naco de bacon, gordura e tudo, o Gafield cheira, lambe, trinca... trinca e come, até chegar ao centro e deparar-se novamente com o comprimido... nada feito. Regresso da careta e meia volta que eles estão a ser chatos. "Deixa-o, entretanto já comeu mais de metade do comprimido", disse eu. "Já não é mau de todo".


Viro-me para a Kira, que observara as tentativas goradas em relação ao irmão e olhava agora para mim de lado. Poucas semanas depois de a ter ido buscar à Ana, foi necessário dar-lhe antibiótico durante 10 dias, que facilmente lhe era colocado na boca. Inocentemente julguei que a facilidade, meses depois, se iria repetir.


Faço-lhe festas no lombo e ela arqueia as costas, umas cócegas na cabeça e ela fecha os olhos. A mão desliza até ao lombo e aproxima-se da barriga... sinto-lhes os músculos contraírem-se e prepararem-se para a fuga. Agarro a fugitiva e levanto-a em braços. A miúda faz uma viagem no ar, braços e pernas estendidos, até à cadeira, onde a sento no meu colo e agarro um dos 4 pedaços de comprimido. Um braço passa por debaixo da barriga e a mão ampara-lhe o queixo, tentando encontrar uma nesga de abertura entre os maxilares... A outra mão aproxima-se com um quadrado branco de pó amarelo, com certeza amargo e pestilento, e um dedo tenta furar a barreira de dentes... Patas com garras de fora tentam libertar o corpo preso. "Pssssss.... pronto", acalmo-a com festas e um beijinho doce na testa. A rapariga está quieta, mas com certeza a preparar a próxima tentativa de fuga. Antecipo-me com outro ataque de comprimido em riste... Nada feito... mais garras de fora, a felina é uma contorcionista nata e escapa-me por entre as pernas... Desalento, "isto não vai ser nada fácil..."


Antes de outra luta corpo a corpo ainda tento a táctica da oferta... um cavalo de Tróia em forma de comprimido esconde-se num biscoito de queijo... a Kira olha para mim "o que queres, ó malvada?". Nem se aproxima. Olha para a porta da cozinha que entretanto eu fechara e sente-se perdida. "Vou olhar para a janela, fingir que tudo isto é um filme...", pensa.


Intervalo. Afago-lhe o pêlo do lombo. O corpo contrai-se na expectativa, mas a mão passa e volta para umas cócegas no cachaço. Afasto-me em sinal de tréguas. Temporárias, porque esta é uma luta inevitável.


Fim do intervalo. "Vamos tentar outra vez?", pergunto delicadamente. As mãos incertas e nervosas por baixo da barriguinha, que tenta fugir sem hipótese. Nova viagem no ar. Novamente na cadeira. "Preciso de ajuda"... o Pedro agarra-lhe as patinhas de trás. Novamente a posição de ataque. "Não gosto, não gosto, não quero!" Dentada num dedo, arranhadela num braço. Insistência. Nova dentada, nova arranhadela. Nenhum dos donos tem coragem para forçar muito e a derrota não se faz esperar.


Guardei os restos de comprimido na esperança de dias de melhor sorte. Quem os manda fazer comprimidos com tão mau sabor?



Autoria: Filipa Bastos
12 de Maio de 2003

Ler a segunda parte da Saga do Desparasitante: http://www.felinus.org/index.php?area=artigo&action=show&id=55