Artigo retirado de:
http://www.felinus.org/index.php?area=artigo&action=show&id=374
Autor:
xamir (Adélia Costa) [ Europe/Lisbon ] 2004/12/12 22:48

Maria, a gatinha que escolheu morrer

5ª feira, 9 Dezembro de 2004, foi o dia em que a Maria nos venceu a todos e partiu.

Não partiu para um novo lar, como todos gostaríamos. Não partiu para junto de algum familiar da sua antiga dona, que num acesso de remorso tivesse decidido vir buscá-la ao sítio onde foi depositada. Não partiu para uma colónia protegida, onde pudesse gozar a liberdade.

Desistiu de viver e ganhou com a sua persistência e tenacidade o direito a um fim, a deixar de sofrer com o abandono, com a falta da dona que amava, da sua casa, do seu espaço, afinal, da sua vida.

Há ainda muitos que duvidam que os gatos possam morrer por tristeza, por solidão. Mas como duvidar se as histórias se repetem, são infelizmente tão reais e tão próximas?

Se testemunhamos o amor que eles nos dedicam, se sofremos quando nos deixam, porque não acreditar que também eles sofrem quando lhes faltamos?

Só quem nunca viu a tristeza que existe nos olhos dos gatos abandonados pode duvidar deste facto.

A Maria teve uma boa dona. Foi certamente uma gatinha muito amada e que sentiu de forma tão intensa a sua morte. Infelizmente para a Maria, não houve nem um familiar, nem um amigo, que em memória de quem partiu a tomasse sob a sua protecção. São tantos os animais a quem a morte dos donos deixa sem lar. Talvez alguns sejam realmente animais de donos tão sós, sem familiares ou amigos. Talvez que para esses a única saída seja mesmo o abandono num gatil.

Porque desengane-se quem pensa que ao levar o animal para o gatil fica com o problema resolvido. Como é que se sente um gato que toda a vida teve o conforto de uma casa, mimos, um dono, ao ser deixado num espaço desconhecido, com gente que nunca viu e algumas dezenas de gatos, alguns amistosos, outros nem tanto? Um sítio onde faz frio ou calor em excesso e as carícias são raras?

É fácil deixá-lo ficar, voltar as costas e pensar que vai ficar bem, ser bem tratado e vai arranjar um novo dono, aquele que quem o deixa não quis ser.

Há muitas histórias de sucesso, de gatos que rapidamente conquistaram um dono. Há também gatos que ficam meses e até anos no gatil e alguns morrem sem nunca ter voltado a saber o que é ver o sol sem ser através das grades do gatil.

E há os outros, “as Marias”, que simplesmente escolhem não ficar ali. Que se recusam a que aquilo seja a sua vida e por isso recusam a comida, recusam o tratamento, recusam respirar.

A Maria entrou há poucas semanas no gatil. E desde o primeiro momento que se recusou a aceitar o seu destino. Deixou de comer, ficou fraca, ficou doente. Apesar de todos os cuidados e atenções da veterinária e voluntários, nada parecia convencê-la a ter vontade de viver, de se tratar. Num último esforço, voluntárias levaram a Maria para uma Clínica onde esteve internada alguns dias. Tudo foi tentado, mas aquilo que a Maria verdadeiramente queria nós não tínhamos para lhe dar: a sua dona, a sua casa.

E nós, donos de gatos, sabemos como é difícil vencer a sua teimosia. Também aqui perdemos a batalha.

Teria a Maria sobrevivido se alguém próximo da sua dona lhe tivesse dado conforto e colo, ao invés de um lugar numa box gelada de um gatil? Não sabemos.

Teria a Maria sobrevivido se por sorte um dos adoptantes que visita o gatil a tivesse escolhido para sua companhia? Seria esse novo lar suficiente para que a tristeza e saudade fossem dando lugar a um novo amor pela nova família? Não sabemos.

Sabemos que “outras Marias” já passaram e superaram este processo. Há vários exemplos nas histórias de gatinhos adoptados na UZ. Quando encontram rapidamente um dono que os faça sentir novamente amados e desejados, conseguem ser felizes e dedicar-se ao novo dono.

Talvez também a sorte da Maria tivesse podido ser diferente.
Uma gatinha linda e doce, que escolheu morrer, porque a dor lhe era insuportável.

Possa ao menos esta morte servir para que outros gatinhos não tenham que passar pelo abandono. Porque esse desgosto pode matá-los.


Autor: os muitos amigos da Maria que lutaram por ela