Artigo retirado de:
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Autor:
AnaBeatriz (Ana Beatriz) [ Europe/Lisbon ] 2011/08/02 10:43

Os defensores dos animais que choram


Se esta história fosse escrita do ponto de vista dos animais, podia começar assim. «O momento em que a dor lhe atravessou os sentidos não teve explicação. Era um cão pequeno, de donos muito pobres de Aveiro, confiante e indefeso para as coisas da vida. Gostava de brincadeiras, de sentir mãos humanas a afagarem-lhe o focinho e o pêlo; da sua parte, retribuía todas as festas que lhe faziam com afeição e olhos líquidos, inabalável na sua lealdade. E depois veio a dor, tão forte que lhe trouxe o negro para dentro da cabeça e o queimou até ao âmago. Nunca percebeu por que razão aquele sujeito se aproximou, lhe esmagou as quatro patas e o deixou abandonado, durante um dia inteiro, antes de o dono o ter encontrado e pedido ajuda. Uma voluntária correu com ele para o veterinário, mas ele sucumbiu aos ferimentos e à exaustão, enquanto o agressor se vangloriava em conversas de café.»

Sendo escrita do ponto de vista dos humanos, pode começar por dizer-se que o episódio, verdadeiro, revela muito pouca humanidade. E que se repete, segundo os dados das sociedades portuguesas que estudam o assunto. A cada hora que passa há um animal a ser maltratado, vítima de violência, de abandono, de irresponsabilidade e indiferença. Os problemas serão os mesmos do passado e em números idênticos - o que aumentou foi a consciência pública do cidadão comum relativamente aos direitos dos animais e à sua constante violação, em resultado de um trabalho sério de campanha, alerta, informação e denúncia por parte de voluntários e organizações envolvidos na causa. Daí também o crescente interesse que a matéria tem levantado - em páginas na internet, apelos nas redes sociais e no ímpeto recente que se reflectiu na atribuição de perto de sessenta mil votos ao Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN) nas legislativas de 2011.

Paulo Borges, o presidente da direcção do partido, defende que são mesmo precisas reformas legislativas. Filósofo, escritor, professor na Universidade de Lisboa e essencialmente humano, meteu-se na política e fundou o PAN quando sentiu que precisava de agir, de consagrar na Constituição a senciência dos animais e discutir a economia de mercado revertida para o bem de uma totalidade orgânica. «É uma vergonha que Portugal tenha, nesta matéria, uma das legislações mais atrasadas do mundo, cujo estatuto jurídico é o de meros objectos», diz. Maltratar ou tirar a vida a um animal, nestas circunstâncias, reduz-se a atentar contra o património do proprietário e é punível com uma simples contra-ordenação, inconsequente diante da agonia causada. O PAN defende o reconhecimento da consciência dos animais, a capacidade de sentir prazer e dor, física e psicológica, e a alteração do seu estatuto jurídico no Código Civil, de modo que os maus-tratos e abandonos sejam efectivamente punidos.

Na Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em assembleia pela UNESCO, em 1978, está escrito que todos eles têm de ser tratados com respeito. O artigo 11.º classifica como crime contra a vida todo o acto que implique a morte de um animal sem necessidade - será genocídio se causar a morte de um grande número de animais selvagens -, enquanto outros artigos sublinham que nenhuma espécie deve ser usada para divertimento do homem, o abandono é cruel e degradante e os animais destinados a abate têm direito a uma morte instantânea, indolor e não geradora de angústia. Daqui se infere que a pesca desportiva, as touradas e a caça por prazer são liminarmente condenadas, que a utilização de animais em testes deverá obedecer a normas e ser substituída por alternativas sempre que possível, e que tradições culturais que agridam o bem-estar animal têm de ser revistas, equilibrando a necessidade para os humanos com o desfecho para os animais.

E é esta versão abrangente que defende o PAN. «Produzir um quilo de carne consome mais de dez quilos de vegetais e gasta 15 mil litros de água, o bem cuja escassez mais aumenta. Esse mesmo quilo de carne implica o abate de cerca de dez mil metros quadrados de floresta, para plantar soja para o gado, e é responsável por 18 por cento da emissão de gases com efeito de estufa, acelerando o aquecimento global. Toda a proteína vegetal que se produz para alimentar o gado alimentaria directamente dois mil milhões de pessoas, um terço da população do planeta, enquanto mil milhões morrem de fome», diz Paulo Borges. «Temos de cultivar uma ética da responsabilidade integral, por todos os seres vivos e pela natureza. Temos de ver que pode defender-se simultaneamente os homens e os animais, que uma coisa não exclui a outra, como mostram tantas pessoas em Portugal e no mundo. E temos de proteger este planeta, sem o qual a vida humana e animal não é possível.»

Campanha contra o abandono

Depois do excelente resultado do PAN nas últimas eleições, a campanha que mais tem chamado a atenção do público é a da União Zoófila, que já leva sessenta anos a proteger animais domésticos em risco, e queixa-se como os outros de que as necessidades e os apelos superam em muito a sua capacidade de resposta, com cerca de quinhentos cães e duzentos gatos a viverem no abrigo e uma situação de sobrelotação permanente. E teve uma ideia: convidar vinte personalidades da televisão, do cinema e da música para participar na campanha contra o abandono de animais. «Não compre, adopte» é o lema apadrinhado por Afonso Pimentel, Ana Bacalhau, Teresa Guilherme, Manuel Luís Goucha, Ana Guiomar, João Manzarra e muitos outros. Goucha ficou tão sensibilizado que acabou por adoptar a Faneca, a gatinha com que aparece no anúncio.

«O que nós fazemos em concreto podemos exemplificá-lo referindo, por exemplo, o caso do cão Napoleão, que vagueava com um arame cravado a toda a largura do pescoço - supomos que terá sido vítima de tentativa de enforcamento -, foi acolhido na União Zoófila e aí operado para retirar o arame que lhe penetrava o corpo», explica a secretária da associação, Isabel Ramos, adiantando que neste momento o animal está fisicamente recuperado, mas em condição psicológica ainda alterada: receia desconhecidos e não permite que lhe toquem. Miau foi outro que acabou salvo do pior: por ser um gato preto, foi atingido com um líquido corrosivo que lhe queimou o dorso e uma das patas dianteiras. «Infelizmente, muitos donos socorrem-se também da União Zoófila para deixar os seus animais. Fazem-no como quem deixa um objecto para trás. Fazem-no porque o cão ou o gato envelheceu, porque deita pêlo, porque cresceu mais do que era suposto, porque é jovem e faz disparates, porque faz chichi fora do sítio, porque perturba os vizinhos, porque subitamente passou a provocar alergias. Ou então fazem-no porque mudaram de casa, divorciaram-se ou casaram, deixaram de ter tempo ou porque vão de férias», enumera Isabel, confirmando que todas as desculpas servem para abandonar um animal.

Por lidar há muito com animais abandonados, Isabel não entende que as pessoas não tenham noção do sofrimento que provocam. «Muitos deixam de comer, recusam-se a abandonar a cama e definham até à morte.» Essa descoberta é recente na história da humanidade e tem que ver com múltiplos estudos que o confirmam. «A redescoberta dos modos de consciência do animal, da sua maneira de ver e sentir o mundo e o grupo social, força-nos a rever as nossas posições éticas», explica o investigador e etólogo César Ades, que estudou o comportamento dos cães para concluir que eles comunicam com os humanos e que a capacidade de pensar pode ter surgido independentemente em vários animais e não apenas nos mais próximos do homem na cadeia evolutiva. Sidarta Ribeiro, biólogo e neurocientista, concorda: «As nossas diferenças mentais relativamente a outros animais são uma questão de grau, não de essência. Se chegarmos a compreender esse facto de forma tão cristalina como entendemos a estrutura celular ou a gravitação dos astros, a nossa relação com a natureza transformar-se-á radicalmente.»

Sangue, suor e lágrimas

Muito antes de ter decidido juntar-se à Associação Protectora de Animais do Cadaval (APAC) para ajudar, Ana Neves já se enchia de nervos ao ver a facilidade com que os animais passavam de companheiros a empecilhos na altura das férias, largados em estações de serviço e na beira da estrada e mortos, muitos deles, em condições de grande sofrimento. «O abandono e maus-tratos são uma questão estrutural, de formação e consciencialização que esperamos não venha a ser agravada com o problema da crise, pois é mais uma desculpa para que os animais sejam deitados fora», observa a responsável, 49 anos, dividida entre o trabalho como gestora de importação e exportação na empresa Garcias e a recolha e tratamento de animais abandonados no concelho, inabalável enquanto houver alento na equipa e espaço no abrigo. A tarefa é desgastante e não lhe sobra muito tempo para a família, contas feitas a tudo. Mas Ana soube que queria fazer o esforço quando, há meia dúzia de anos, uma rafeira e um dálmata lhe apareceram à porta de casa no Cadaval e ela ia durante a semana de propósito de Lisboa só para os alimentar, até lhes encontrar dono.

Cristina Mendes, outra das responsáveis, 48 anos, concilia a associação com o seu trabalho, após ter ido a uma reunião em prol dos animais a convite de uma colega, e faz o balanço possível da actividade desde 2008, altura em que um grupo de pessoas se dispôs a mudar o estado das coisas no que respeita ao local e deixou de ter mãos a medir: «Até agora, a APAC já fez cerca de 160 adopções, temos uma escala de serviço ao abrigo com 14 voluntários e contamos com mais voluntários para outras tarefas», conta motivada pelos finais felizes e sem se deixar demover pelos outros, que fazem chorar e os deixam a todos com a sensação de impotência. «De cada vez que resgatamos um cão, o tratamos e lhe arranjamos uma família, é um sinal positivo, de esperança e de que vale a pena continuar», adianta.

Durante o período de debate eleitoral, o Partido pelos Animais e pela Natureza sugeriu a criação de hospitais veterinários comparticipados pelo Estado que servissem as populações mais carenciadas, que se apoiasse os idosos e os cidadãos de baixos rendimentos que pretendessem manter um animal de estimação e caso fosse permitido deduzir, em sede de IRS, as despesas com a alimentação, medicamentos e cuidados veterinários. Apesar da crise e dos cortes que o Estado se prepara para fazer, Ana Neves vai mais longe: «Desde sempre que defendo a ideia de que não se devia construir canis e sim apostar em camionetas ambulantes que percorressem os concelhos com equipamento e veterinários, em que a população pudesse vacinar, desparasitar e esterilizar os seus animais a preços simbólicos», diz. «A altura das férias é a mais complicada para as associações, mas a segunda grande questão prende-se com os valores praticados, regra geral, pelos médicos: quando os animais adoecem e o dinheiro não chega para pagar os tratamentos, as pessoas optam muitas vezes pela solução mais fácil e abandonam-nos», adianta.

Foi esse o destino do cão encontrado por Fernanda Maria na rua, quase sem dentes, com artroses, uma hérnia e um sopro no coração, a respiração lenta e larvas a saírem-lhe da barriga. «Passei por ele e parei o carro, eu que estou de luto pela morte de um familiar próximo. Ergueu os olhos, não conseguiu levantar-se. Peguei nele, enrolei-o numa toalha e levei-o ao veterinário», partilhou mais tarde no site da APAC. «O cheiro era nauseabundo, o parco pêlo impregnado de praganas, ao toque sentia-se cada ossinho do seu pequeno corpo.» Impossibilitados de fazerem mais, Maria e o médico deram-lhe a eutanásia, fazendo-lhe companhia até ao fim. Um caso real e triste como tantos outros que lhes chegam à associação, confirmam Ana Neves e Cristina Mendes.

De acordo com a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal, em Portugal mais de dez mil animais são abandonados anualmente, sujeitos a todo o género de maus-tratos e a contrair doenças. Muitos encontram a morte nos canis camarários, outros morrem à fome ou atropelados quando vagueiam pelas ruas em busca de abrigo e alimento. Enquanto isso, a generalidade das associações zoófilas que recolhem animais em risco há muito que excederam a capacidade de alojamento para que estão preparadas, debatendo-se com dificuldades em proporcionar-lhes alimento, serviços de saúde, um tecto e a atenção de que necessitam para não definhar. Dados do Grupo de Lisboa da Campanha de Esterilização de Animais Abandonados estimam ainda em mais de cem mil o número de abates anuais nos canis portugueses, sem que as autarquias pareçam ter compreendido que lhes sai mais barato esterilizar (acabando com os óbitos e os abandonos que os originam) do que matá-los.

Nos últimos oito anos entraram, em média, 2700 cães e gatos no Canil Municipal de Lisboa, dos quais metade foram abatidos e vinte por cento dos restantes morreram, e só trinta por cento foram adoptados ou restituídos. A prática do abate aumentou 39 por cento em 2009 face a 2002 - mais do que duplicando o número de mortes para os cães e quadruplicando-o para os gatos - e o Tribunal Administrativo de Lisboa proibiu recentemente o canil/gatil municipal de receber animais até reestruturar os serviços para cumprir as condições exigidas pela lei, dando razão a uma providência cautelar interposta pelo Grupo de Lisboa da Campanha de Esterilização de Animais Abandonados.

«Quando as pessoas não se preocupam minimamente com a sua própria espécie dificilmente vão preocupar-se com o bem-estar animal. Quem tem sensibilidade para cuidar de animais também a tem para as pessoas, mas o inverso não é verdadeiro», constata a Animais Como Nós (ACN), um pequeno grupo que trabalha em condições diminutas apoiado pelo hotel canino Quinta do Plátano e o centro de bem-estar animal Castelo da Maia e que, não podendo mudar o mundo, vai salvando os animais abandonados e em risco de vida que encontra nas zonas de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, promovendo a sua recuperação, esterilização e encaminhamento para adopções responsáveis. «Enquanto as pessoas não encararem os animais como seres que percepcionam a dor, o medo, a fome, o prazer, o frio e estão conscientes do que se passa à sua volta, o abandono e os maus-tratos vão continuar a ocorrer.» As dez pessoas da equipa, Cláudia Heitor, Tânia Santos, Vanessa Postiga, Elsa Ferreira, Sara Torres, Marisa Ribeiro, Rui Gonçalves, Raquel Araújo, Tiago Carvalho e Vítor Maia, jovens dos 23 aos 39 anos que trabalham como administrativos, responsáveis de loja, marceneiros, engenheiros de processo, operários e técnicos, fazem o que podem no tempo livre de que dispõem por não conseguirem ficar indiferentes às situações de carência. Mas não chega.

Helena Pessoa está há trinta anos envolvida por gosto nesta luta de vontades e é a actual coordenadora da Pata Vermelha, instituição que inspirou o nome na Cruz Vermelha, por estar vocacionada para apoiar animais abandonados e carenciados sobretudo na área da saúde, uma das vertentes mais negligenciadas na maioria dos casos. Sem actuar propriamente no terreno ou dispor de um espaço físico onde possa recolher animais, a associação trabalha, no entanto, com todas as instituições e grupos de protecção que lhes pedem ajuda, desdobrando-se para angariar e distribuir medicamentos e fundos para tratar animais abandonados, apoiar o maior número de casos necessitados de intervenção médica e apostar na esterilização, com vista a diminuir as ninhadas que nascem sem controlo e nunca chegam a ter donos responsáveis.

«Na nossa arrogância, entendemos que tudo existe para nos servir e este conceito precisa de ser alterado: o planeta é de todos e todos merecem respeito e condições de vida dignas», constata a responsável da Pata Vermelha, 48 anos, e dedicada ao design do século XX tanto quanto aos animais, cansada das consequências da falta de noção do que ter um animal implica a vários níveis. Pela sua parte, a equipa da Pata Vermelha vai ajudando como pode a manter saudáveis os animais abandonados e em risco à guarda de associações zoófilas, dos grupos de pessoas que fazem um trabalho de protecção continuado, de particulares com muitos animais a seu cargo e de pessoas cujos rendimentos não permitam pagar as despesas veterinárias (sendo devidamente comprovada, nestes casos, a situação de necessidade através de documentos oficiais).

Ainda assim, diz, é fácil manter um animal enclausurado numa varanda ou marquise durante anos a fio, e depois largá-lo na rua ou entregá-lo no canil municipal mais próximo, onde o mais certo é vir a ser abatido sem qualquer penalização legal. «O problema do abandono começa logo no motivo por que se adopta um animal: normalmente as pessoas não se informam das despesas em alimentação e saúde, do tempo que têm de lhe dedicar, e não percebem que o bichinho vai durar muitos anos e deveria ser um compromisso até ao fim da vida, pois irá sempre depender dos humanos que o adoptaram.» Helena percebeu isso quando recolheu uma cadela da rua bastante maltratada, a acarinhou durante 15 anos e a viu sofrer de graves problemas de saúde no final da vida. Pensou que, se por algum motivo não tivesse possibilidades de a manter naquele estado, não teria ninguém que a apoiasse e decidiu colmatar a lacuna ajudando os mais necessitados a tratar dos seus animais.

Recentemente, no Lavradio, já depois de os vizinhos terem chamado o dono à atenção pela falta de cuidado com que tratava o cão, um husky de ano e meio foi resgatado de uma cave onde o deixaram sem comida e água, para morrer sozinho à fome. O humorista Nuno Markl deu o alerta na sua página do Facebook logo que recebeu a circular, partilhando com os milhares de fãs um pedido de ajuda para Kiko, encontrado como «um esqueleto com pêlo, aterrorizado, esfomeado». Apesar do seu estado débil, a história terminou em bem para o husky, que será adoptado.

«De um modo geral, existe muita falta de educação, de civismo e responsabilidade. Tudo valores que deviam começar na escola e não começam, de maneira que é isso que tentamos fazer a nível local, num raio de acção próximo de nós, para resolver problemas sociais, ambientais e de discriminação humana e animal de que temos conhecimento», conta Helena Sousa, presidente do Movimento Cívico pela Saúde Urbana e Animal (MOV), a funcionar em Aveiro com o dinheiro contado que vai angariando em actividades, donativos, quotas de sócios e amigos, venda de artigos, eventos e a participação voluntária da sociedade.

Há muito que a experiência lhe mostrou ser impossível resolver os males do mundo, pelo que a médica põe todo o empenho na realidade ao seu alcance - desde que descobriu que havia um canil próximo do Hospital de Aveiro, na altura bastante degradado - e faz milagres para conseguir tratar os animais errantes da zona (na clínica com que o movimento tem protocolo), dar-lhes um lar, acompanhar os movimentos no canil de Aveiro, ajudar crianças e adolescentes com problemas em que a participação de cães é salutar, promover a sociabilização, o treino e o passeio de cães e ainda sensibilizar a comunidade para as questões ambientais, fazer a educação cívica de alunos nas escolas e desenvolver uma horta biológica com compostagem, em espaço próprio e com um objectivo pedagógico, terapêutico e de lazer. Em 56 anos, sempre adorou animais e adoptou cães e gatos que ia apanhando na rua, muitos deles estropiados e carentes que se tornaram membros da família. Em Lourenço Marques, onde viveu uns anos, chegou a andar às cavalitas de um leopardo fêmea, que se aproximava sem medo e a deixava brincar com as crias. «Temos casos de cães e gatos que foram abandonados e atropelados, animais encontrados na via pública e sujeitos a perigos diversos, cães perdidos que devolvemos aos donos. Tivemos também uma husky fêmea entregue pelo dono ao canil municipal para abate, por apresentar um problema de pele, e até uma coelha albina de olhos azuis que está em minha casa, em segurança: foi adoptada no ano passado por ser pequena e ternurenta, mas entretanto cresceu e o adoptante achou que o melhor seria colocá-la na panela devido ao seu tamanho actual», conta. O MOV é mais um projecto de gente comum e humanista que acredita no pressuposto de que todos têm direito a um ambiente íntegro, animais incluídos. E eles agradecem esta ética da responsabilidade integral com uma lealdade absoluta a quem os estima.

Ouvir a razão

Não é fácil determinar as fronteiras que definem o que é certo e errado na causa animal porque, embora seja necessário assegurar os seus direitos com base em argumentos racionais e não emotivos, os principais obstáculos que se levantam aos defensores são subjectivos, ancorados em tradições culturais e na dificuldade de mudar comportamentos. Os testes em animais, por exemplo, são uma dessas questões difíceis de compatibilizar: se por um lado é certo que muitas descobertas foram feitas à custa de experiências do género, por outro é preciso encontrar alternativas que impeçam que mais de um milhão de animais tenham de morrer em testes de produtos todos os anos, em sofrimento, e com pouca fiabilidade na extrapolação para os humanos devido às diferenças metabólicas, fisiológicas e anatómicas entre uns e outros.

Björn Ekwall, director do projecto Multicenter Evaluation of In-Vitro Cytotoxicity (pensado para encontrar formas de teste alternativas), explica que o uso de animais continua a ser o método mais utilizado porque, simplesmente, «até há bem pouco tempo, nunca ninguém se tinha preocupado com o assunto». Enquanto isso, coelhos albinos vêem o dorso ser-lhes raspado para testar a irritabilidade de produtos na pele, sem analgésicos e sendo comum a zona ficar em carne viva, além de lhes colocarem substâncias nos olhos durante dias, com os animais a debaterem-se ao ponto de partirem o pescoço e a coluna a tentar escapar. A Universidade da Pensilvânia foi processada quando, num caso de crash tests realizados com babuínos, vídeos mostravam os investigadores a amarrarem um animal ferido à mesa de operações e a ir almoçar. Nos testes de toxicologia é frequente usar-se o chamado LD50, em que se avalia a quantidade de produto necessária para matar metade dos animais em teste naquilo que Gerhard Zbinden, toxicologista de renome mundial, apelidou de «ritual de execução em massa».

As touradas são outro exemplo de discórdia entre os que enaltecem o orgulho do touro de lide e do espectáculo nacional, e todos os outros para quem o sangue, a violência e carnificina desrespeitam a vida e não podem ser chamados de cultura. «Não quero discutir os argumentos contra a festa brava, são do território da fé e jamais chegaríamos ao fim. Não é possível argumentar contra visões fundamentalistas, transformadas em beatério de confrades laicos», justificava o autarca de Santarém Francisco Moita Flores, na petição que decidiu lançar no ano passado para defender a festa brava em nome da sua importância para a economia, nomeadamente da Lezíria e do Alentejo. «Sei que o combate passa por afirmar a defesa dos símbolos que consolidaram a nossa secular matriz identitária. E esse combate, feito de muitas frentes de luta, tem numa delas os "talibãs" que, em nome dos direitos dos animais, procuram destruir os animais e a economia que os sustenta e que os animais sustentam, além da cultura.» E recolheu mais de cem mil assinaturas. Uma declaração da UNESCO de 1980 diz que a tauromaquia é «a terrível e venal arte de torturar e matar animais em público segundo determinadas regras, agravando o estado dos neuróticos atraídos por este espectáculo, desnaturalizando a relação entre o homem e o animal e afrontando a moral, a educação, a ciência e a cultura».

Exemplos de maus-tratos consentidos por razões económicas

- Em matadouros clandestinos, vacas e porcos morrem por sangria sem o atordoamento prévio previsto pela legislação, ao mesmo tempo que lambem os cortes tentando estancar a hemorragia.

- Os frangos crescem em espaços sobrelotados e alimentados com hormonas e antibióticos até atingirem o peso de abate, de bicos cortados e cauterizados para não se dilacerarem uns aos outros sob o efeito do stress.

- Patos e gansos são deformados e mortos após dias a forçarem-lhes uma mistura de cereais e gordura pela garganta abaixo, com o fígado sete vezes maior do que o normal para produzir foie gras.

- Animais selvagens sofrem mortes lentas e dolorosas para alavancar a indústria das peles: asfixiados, electrocutados, envenenados ou gaseados, alguns são esfolados ainda em vida e às raposas é-lhes cortada a língua para sangrarem sem danificar a pelagem.

Fonte: DN

Autor: Reprodução
Os defensores dos animais que choram