Artigo retirado de:
http://www.felinus.org/index.php?area=artigo&action=show&id=1075
Autor:
Becas (Fernanda Ferreira) [ Europe/Lisbon ] 2007/06/27 13:34

Até eles saem tarde de casa

Em desespero de causa diante uma cria pouco disposta a abandonar o ninho – pois se ali se está tão bem, sempre com comida à disposição –, algumas espécies de pinguins deixam, pura e simplesmente, o ‘frigorífico’ vazio, na esperança de que a indirecta seja entendida. Como a fome acaba por falar mais alto, o pinguinzito faz-se à vida em busca de alimento. Quem diz os pinguins diz, entre os seres humanos, os filhos trintões – caso encontrem a despensa sem nada, o mais provável é que os pais queiram significar ‘vai-te embora se faz favor’.


Para os pinguins é mais ou menos simples. Mal as crias têm 50 dias de vida e suficiente plumagem, os pais deixam de trazer-lhes alimento. É uma solução drástica e nem por isso frequente – o fenómeno da emancipação tardia não é exclusivo dos seres humanos. Também se observa entre os animais chamados irracionais e, dizem os etólogos (especialistas do comportamento animal) pelas mesmas razões – precariedade laboral e valor das rendas. Mutatis mutandis, como é evidente.

O caso mais flagrante, notado pelos investigadores do Parque Nacional de Doñana, na Andaluzia, diz respeito ao lince ibérico, um animal quase mítico em Portugal, pois ninguém o vê há muito tempo, mas bem presente do outro lado da fronteira, a partir de onde se suspeita que faça breves incursões.

Em Espanha, existem duas populações reprodutoras, estabelecidas em Doñana e Andújar, também na região da Andaluzia. O “Lynx pardinus”, nome científico do felino mais ameaçado do Mundo, costuma tornar-se independente entre os oito meses – os mais precoces – e os dois anos de vida. Segundo afirmou, ao ‘El País’, Francisco Palomares, investigador da Estação Biológica de Doñana, “a tendência é cada vez mais para o segundo caso”.


Os linces saem mais tarde de ‘casa’ porque, em resultado da fragmentação do “habitat” induzida pelo Homem, ficaram com menos espaço livre. Os indivíduos jovens tardam a instalar-se. “Passam muito tempo a dar voltas, sem encontrar o seu território de dispersão e sem abandonar em definitivo a casa.” Não é igualmente de desprezar a influência da escassez de alimento lá fora neste ‘deixar-se ficar’ felino. Um lince precisa de um coelho por dia no Inverno e quatro na Primavera. Mas coelho é animal que, por causa da mixomatose – doença infecciosa –, não abunda na Andaluzia.

Os etólogos concordam sobre as principais razões que levam os animais a abandonar a ‘casa’: busca de alimento, evitação da endogamia – reprodução dentro do mesmo grupo – e fuga à competição entre machos ou entre fêmeas. Não são alterações nas duas últimas que justificam actualmente a emancipação tardia em algumas espécies. Já a falta de alimento produz efeitos (que digam os pinguins) também ao nível da natalidade e sobrevivência das crias. Os bufos-reais são exemplo disso – alimentam-se dos coelhos que rareiam e, se têm apenas o suficiente para uma cria, deixam morrer as outras.

Aos animais ungulados, mamíferos cujos pés terminam em cascos, como cabras e cavalos, não é preciso ‘expulsá-los’ de casa. Eles saem pelo seu pé. Mas só os machos, quando atingem a maturidade sexual, para se integrarem em grupos de fêmeas. De algum modo, é um comportamento próximo do humano – muitos jovens abandonam o ‘ninho’ para se casarem. Quanto às fêmeas unguladas, permanecem em grupos familiares. O mesmo sucede entre alguns primatas e ocorria com as mulheres em séculos passados.

UM ANIMAL MÍTICO

Quando os portugueses se lançaram nas Descobertas, o lince ibérico ocupava toda a área entre Portugal e o Cáucaso. Entre 1960 e 1990 perdeu-se 80 por cento da sua área de ocorrência. Em Portugal, foi activamente perseguido e viu o espaço onde se movimentava aproveitado para a agricultura. Há muito que ninguém o vê deste lado da fronteira, mas acredita-se que existe.

UM FILHO POR CASAL, DOIS NO MÁXIMO

O decréscimo da taxa de natalidade constitui um problema, por demais discutido embora sem solução à vista, nos países do Ocidente. Em Portugal, por exemplo, não está neste momento sequer assegurada a substituição do casal – em média não chega a dois o número de filhos por cada um. Razões de vária ordem levam os casais a limitar a prole. Entre elas ganha preponderância o volume dos encargos. No caso dos bufos-reais da Andaluzia é mesmo a escassez de alimento que – suspeitam os ornitólogos – justifica a redução da quantidade de ovos em cada postura. Ultimamente, não vão muito além de um ou dois ovos. Os coelhos, presas habituais são – em resultado das alterações no mundo rural e de uma doença infecciosa – menos frequentes, pelo que não há maneira de alimentar uma extensa prole.

RENDA DIVIDIDA COM OS AMIGOS

Ei-la, a abetarda, uma ave associada à agricultura de sequeiro e, em consequência, muito ameaçada – também em Portugal. Deve ser por causa da dificuldade de sobrevivência num meio agressivo que, entre as abetardas, se produz o fenómeno dito de emancipação ‘fictícia’, cada vez mais comum também entre os seres humanos. Ou seja, quando as aves jovens abandonam o ninho juntam-se muitas vezes a outras na mesma situação. É como sair de casa dos pais, e, faltando o salário para alugar sozinho um T1, ter de partilhar a renda com os amigos, igualmente em situação financeira precária.

PRIMOS DIREITOS

Quanto mais se observam os chimpanzés, mais semelhanças se lhes encontram com os humanos. Recentemente provou-se, por exemplo, que também eles têm valores morais. E, tal com os seus primos direitos – no caso os seres humanos –, têm infâncias prolongadas. Quando ambos os progenitores se centram na cria e há disponibilidade de alimento, ela permanece em ‘casa’ mesmo depois de atingir a maturidade sexual.

Autora: Isabel Ramos



http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=246505&idCanal=19